As obras originárias se desenvolvem em um crescente de violência, relações de poder, humilhações e vinganças,
sem
pensar em meios e consequências. As personagens são marcadas por desamor, perversidade e
pela luta por sobrevivência. Os diálogos, em tons crus e sombrios, desfiam
histórias da vida de figuras marginalizadas e invisibilizadas socialmente. Buscamos
preservar aspectos da poética crítica do dramaturgo, “o profeta do
apocalipse atual”, como diz Ilka Zanotto, em sua ácida representação do submundo nacional.
O espetáculo é o retrato da gigante
minoria, dos grãos de areia que são os farelos de vida de tantas pessoas.
Pessoas-estatística, pessoas-raiva. Na peça adaptada por Alexandre Ribondi, o
menor Querô agoniza uma história de abandono, maus tratos e
desesperança, coroados por dois tiros da polícia. Por sua vez, Dilma, sua mãe, amarga saudades e culpa em relação ao filho
enquanto acumula um rol de agressões e humilhações, comuns ao universo da
prostituição. A narrativa se constrói em distintos planos temporais e
espaciais, que se atravessam mutuamente e se
redimensionam no jogo cênico. A adaptação procurou manter o tom rascante de
Plínio, o qual escancara a face cinzenta e dolorosa de um Mundaréu sem ilusões, onde todos se tornam reféns de um
determinismo social que parece intransponível.
ALICE STEFÂNIA
Uma obra cênica é sempre um
tecido coletivo, tramado e bordado a muitas mãos e afetos. Esse trabalho começou a se
esboçar há cerca de pouco mais de um ano, quando a jovem Jordana entrou em
contato comigo manifestando o interesse de seu grupo de teatro em vivenciar um
processo provocado por mim. Assim, conheci a Companhia Dois Tempos, um coletivo
de jovens atores amadores (como verdadeiramente pede o termo), com seus corpos,
ideias e desejos fervilhando. Isso, por si só, quase sempre me seduz…
Mas havia mais, havia o
universo de Plínio Marcos, no qual ainda não havia mergulhado artisticamente.
Havia também princípios dramatúrgicos já contornados e uma pesquisa prévia
sobre o universo a ser trabalhado. Reconheço-me como uma atriz que em suas
criações exercita uma perspectiva composicional, e ainda como professora que provoca, orienta e até
dirige, sempre colaborativamente e a partir de materiais gerados pelos próprios
atores em exercícios de criação de suas dramaturgias corporais. A Companhia
Dois Tempos me trouxe a oportunidade e o desafio de, pela primeira vez,
experimentar o lugar de “diretora convidada”.
Ao longo de quase quatro
meses de trabalho, os jovens atores Davi, Helena, Jordana, Miguel e Thiago
demonstraram vontade, entrega, autonomia e responsabilidade no trabalho.
Juntos, propusemos, compusemos, questionamos, criticamos, fomos criticados,
comemoramos, nos frustramos, entramos em crise, construímos, duvidamos,
adoecemos, nos benzemos, reconstruímos, enfim, imergimos no processo! A base dramatúrgica
proposta inicialmente por Alexandre Ribondi, mexida e remexida por todos a
partir das exigências do próprio fazer em processo, foi um ponto de partida
fundamental. A presença parceira e o olhar atento de Fernando Santana proporcionou
uma interlocução crítica e sensível durante todo o percurso. A escuta e
disponibilidade de Guto Viscardi soube imprimir materialidade poética e
funcional aos nossos desejos e necessidades de cenografia e figurino. Às
equipes de música, luz, fotografia, cenotecnia e produção, enfim, a todos quero
dizer que me sinto grata pela confiança e por nossos instantes criativos
compartilhados. Obrigada!
PLíNIO MARCOS
Plínio
Marcos, foi engajado
politicamente e teve intensa participação política, social e cultural no país.
Seus textos se destacam pelo protesto e denúncias às formas da organização
social. O espetáculo, preservando a poesia do dramaturgo, abre diálogo sobre
temas importantes, atualmente muito discutidos. Os personagens representam
usuários de crack, alcoólatras, traficantes, doentes, mães precoces,
adolescentes esquecidos nas prisões, prostitutas e meninos de rua, esses que só
se tornam visíveis, na destruição: quando agridem, roubam, traficam e matam.
A proposta é buscar, através do
teatro, uma forma de alertar para a necessidade de crítica e denúncia. Num país, que tem como uma
de suas principais características, a pluralidade cultural, Plinio Marcos traz
para seus romances a dinamicidade das várias etnias, nichos sociais, credos, cores e
linguagens, além de signos que atravessam a cultura popular brasileira. As
personagens estão envolvidas nas adversidades sociais, mas possuem a riqueza de
suas falas e expressões.
FICHA TÉCNICA:
Textos: Plínio Marcos
Adaptação: Alexandre Ribondi e o grupo
Direção: Alice Stefânia
Assistente de direção: Fernando Santana
Elenco: Davi Maia, Helena Miranda, Jordana Mascarenhas e Thiago Ramos
Direção Musical e ator convidado: Miguel Peixoto
Músicos: Letícia Fialho, Matheus Mikuym e Miguel Peixoto
Desenho de Luz: Abaetê Queiroz
Cenário e figurino: Guto Viscardi
Fotografia: Fernando Santana, Nathalia Azoubel e Thiago Barreto
Edição de Vídeo: Helena Miranda
Arte Gráfica: David Libal
Coordenação de produção: Jordana Mascarenhas
Produção executiva: Desvio Produções Culturais
Em parceria: grupo de pesquisa Poéticas do Corpo e Coletivo Teatro do Instante (http://
Agradecimentos: Toda a equipe, Bia Medeiros, Carolina Curi, Cláudio Oliveira, Daniel Curi, Giselle Rodrigues, Grupo Tripé, Hugo Rodas, Inês Maria Mascarenhas, Izidório Mascarenhas, Joana Maria Mascarenhas, Marcelo Pires, Matheus Mikuym, Mônica Mello, Nelson Ramos, Paola Veiga, Rita de Almeida Castro, Teatro do Instante e Vilma Mesquita.
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ENSAIOS
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