Por Rodrigo Ferret
Brasília, 16/05/2014
Querô (o protagonista de QUERÔ, UMA REPORTAGEM MALDITA) e Dilma (a protagonista de O ABAJUR LILÁS) se encontram, como duas paralelas. Paralelas se cruzam apenas no infinito. A obra de Plínio Marcos tende ao mesmo local, ao infinito. É atemporal, eterna. Será, para todo o sempre, um clássico, segundo profetizado pelo próprio autor, até mesmo porque nosso país nunca mudou.
A Cia de Teatro Dois Tempos acreditou e tocou um projeto audacioso de sua integrante, a talentosa Jordana Mascarenhas. Iniciado há dois anos no Curso de Letras da UNB, o trabalho apresenta um paralelo entre as sofridas estórias de vida de duas personagens: Querô, um órfão, filho de uma prostituta, criado por uma cafetina e Dilma, uma prostituta que tem uma eterna culpa por não poder criar seu amado filho.
A adaptação realizada por Alexandre Ribondi é muito bem costurada, deixando, para os não iniciados na obra de Plínio, a impressão de que é uma só peça, confirmando que o trabalho foi muito bem executado. A opção pelo Teatro Físico é muito bem desempenhada pelos atores, que se esforçam bastante no palco, beirando em alguns momentos à exaustão. No universo do Maldito, a exaustão faz parte das personagens, exigindo muito dos atores física e emocionalmente, como em um ritual, uma catarse.
O diálogo Plinimarquiano é cru, grotesco, violento e marginal, mas metaforicamente belo e perfeito para os que querem enxergar as entrelinhas, tocando em cheio e mexendo com a inércia do expectador. A Direção de Alice Stefânia é muito bem cuidada e alinhada com a peça, observada na entrega dos atores e na transição das cenas. A trilha sonora e a sonoplastia são executadas ao vivo pelo trio de músicos Matheus Queiroz, Letícia Fialho e Miguel Peixoto (que além de diretor musical, atua como o explorador e desesperado Giro). A banda é um show à parte, cantando, entre outras canções incidentais, a bela e triste A POMBA ROXA ARDENTE, tema da peça original Querô. A produção, apesar de simples, é muito bem cuidada, buscando sempre a atmosfera do universo do autor, com atores fumando, beijos de verdade, grades, calcinhas penduradas, violência, penumbra, diálogos provocadores e submundo. Apesar de metafórico algumas vezes, conseguimos sentir a dor, a fome e o frio sofridos pelas personagens. Interessante ver o público (em sua maioria composta pelos cidadãos contribuintes citados no texto final) não perceber, ou não querer perceber, que o Repórter de um Tempo Mau está falando conosco.
Há entrega de corpo e alma dos atores, o ator Davi Maia, o Palhaço Aipim, possui uma incrível presença de palco, puxando a atenção do público como Tainha e o Repórter, além de interpretar o Nelsão. A participação do Repórter poderia ter sido melhor explorada num embate com Querô. O uso do gravador foi uma excelente ideia, trazendo uma atmosfera retrô com um conteúdo didático e eternamente atual.
A atriz Helena Miranda mostrou bastante competência e recursos cênicos, incorporando a Violeta com muita força e vilania e uma Célia com muita verdade nos trejeitos. A idealizadora do projeto e atriz, Jordana Mascarenhas, interpretou Dilma com toda a sua alma, saboreando cada segundo da peça, carregando o projeto como um bebê, que nasceu naquela noite e ganhará o Mundaréu. Seu brilho nos olhos é visível, encarando a personagem e todo o seu sofrimento até sua imolação com Querô, momento em que as paralelas se cruzam.
O fecho da peça é o mesmo de Querô e explica o paralelo entre as duas peças, convidando à reflexão e nos ajudando a lembrar que, por pior que sejam, nossos problemas são muito menores que as cruzes que carregam a gigante minoria ao qual Plínio deu voz. A peça é nova, fui à estreia. Como obra viva e com alma verdadeira tem tudo para crescer e aparecer no cenário nacional. Parabéns à Cia Dois Tempos, à idealizadora Jordana Mascarenhas, à Diretora Alice Stefânia, ao adaptador do texto Alexandre Ribondi, à banda e a todos aqueles que participaram desse belo projeto. O Bendito Maldito permanecerá vivo em sua obra. Toda vez que uma nova montagem surge, o Bobo Plin agradece, e com ele, seus fãs e admiradores também.
Crítica para a Peça Mundaréu.
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