O texto Abajur Lilás do dramaturgo Plínio Marcos foi um dos textos
utilizados pelo grupo para a adaptação do espetáculo Mundaréu. Abajur Lilás teve grande
representatividade em sua época. Escrito em 1969, o espetáculo foi censurado
por duas vezes pela ditadura militar: em 1970, quando foi
surpreendido pelos censores, que suspenderam a estreia do espetáculo por cinco
anos e em 1975, quando a montagem foi retomada e sua estreia novamente impedida no
dia 15 de maio. Os grupos paulistanos, solidários a Plínio Marcos, suspenderam
suas apresentações, promoveram inúmeras manifestações de repúdio à suspensão
da peça e criaram o Manifesto da Classe Teatral, que seria lido nos principais
teatros antes de qualquer apresentação, em protesto contra a censura:
"Há muito tempo que o teatro
brasileiro vem sofrendo toda a sorte de pressões e de cerceamento à sua
liberdade de expressão. Os critérios utilizados pelos poderes constituídos escapam
à nossa compreensão, e o rigor que se utiliza contra nós, impede frequentemente
que possamos apresentar um trabalho de maior profundidade e de que sejamos o
espelho do nosso tempo, como é função da arte teatral".
Walderez de Barros (Dilma) em cena de Abajur Lilás , 1980 Acervo Idart/Centro Cultural São Paulo Registro fotográfico Ruth Toledo |
Abajur Lilás “mofou por onze anos na gaveta da censura” até ser
estreada em 1980, sob direção de Sérgio Ferrara e protagonizada pela atriz Walderez
de Barros, interpretando Dilma, papel que lhe rendeu o Prêmio Molière de melhor
atriz. O espetáculo dividiu opiniões sobre sua qualidade e importância. Para
Ilka Zanotto “As circunstâncias fizeram de Abajur Lilás mais do que uma
simples peça, uma bandeira. Ao defendermos sua liberação nos palcos nacionais,
é a própria liberdade de expressão, condição primeira da criação artística, que
defendemos.” O próprio diretor defende: “O texto tinha um forte apelo político,
por isso gerou tanta polêmica”. “Hoje, ao contrário do que alguns pensam, O
Abajur Lilás não está datado, pois trata de graves problemas que nos cercam, ou
seja, se naquela época a política era identificada como o grande mal, agora é a
exploração econômica e a globalização.” Contudo, alguns criticavam o exagero da
linguagem, justificando tornar o texto caricato, a trama, julgando ser superficial
e a importância política do texto, como ressalta Bárbara Heliodora em crítica
no jornal O Globo, contrapondo o
que disse o diretor Sérgio Ferrara sobre o espetáculo.
Retirado do acervo da Funarte : (http://www.funarte.gov.br/poliglota/2011/59060/130503466501701700013050346653331210.pdf)
A
trama retrata a degradação humana nas relações interpessoais, ligadas a questões
sociais vivenciadas pelas personagens. No mocó sujo, onde as prostitutas moram
e trabalham, tenta-se descobrir quem quebrou o abajur de Giro, o dono do lugar e
“das mulheres”. O micro espaço se transforma em um ringue sangrento, uma câmara
de tortura onde, em atitude animalesca, Oswaldo, o gigolô impotente e de poucas
palavras, sadicamente tortura as prostitutas e mata uma delas, Célia, a mando
de Giro. As personagens são
sobreviventes do sistema opressor. O
único resquício de humanidade do texto é encontrado na relação de Dilma com o
filho, que não aparece na trama. A
objetificação do ser humano está representada na sobreposição do abajur à
condição humana, quando facilmente se mata por conta de um objeto tão barato. Em resumo O Abajur Lilás é o retrato de realidades esgarçadas e tristes.
Sobre a repressão e a resistência dos agentes culturais contra a censura ditatorial, Plínio escreve crônicas, que serão editadas pela editora SENAC São Paulo, em 1996: Figurinha Difícil - Pornografando e subvertendo.
"Eram milhares de homens, escolhidos para serem fortes e com coragem para matar, matar, destruir e matar. Esquecerem seus sonhos, e matar. Milhares de homens treinados para matar. E matavam, matavam. Destruíam e matavam. Foram destruindo e morrendo. Frente a frente, homens. Frente a frente, homens fortes, mas sofridos, teleguiados, com seus medos, seus desesperos, suas desilusões. A matar, a matar, a destruir, a matar. E a morrer." (p.32)
A obra de Plínio continua não datada, como diz Ferrara, e os temas abordados pelo autor na década de 60 e 70, ainda são extremamente atuais, fator que torna sua obra atemporal.
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