08/08/2014

O Bafão do Abajur

O texto Abajur Lilás do dramaturgo Plínio Marcos foi um dos textos utilizados pelo grupo para a adaptação do espetáculo Mundaréu. Abajur Lilás teve grande representatividade em sua época. Escrito em 1969, o espetáculo foi censurado por duas vezes pela ditadura militar: em 1970, quando foi surpreendido pelos censores, que suspenderam a estreia do espetáculo por cinco anos e em 1975, quando a montagem foi retomada e sua estreia novamente impedida no dia 15 de maio. Os grupos paulistanos, solidários a Plínio Marcos, suspenderam suas apresentações, promoveram inúmeras manifestações de repúdio à suspensão da peça e criaram o Manifesto da Classe Teatral, que seria lido nos principais teatros antes de qualquer apresentação, em protesto contra a censura:

"Há muito tempo que o teatro brasileiro vem sofrendo toda a sorte de pressões e de cerceamento à sua liberdade de expressão. Os critérios utilizados pelos poderes constituídos escapam à nossa compreensão, e o rigor que se utiliza contra nós, impede frequentemente que possamos apresentar um trabalho de maior profundidade e de que sejamos o espelho do nosso tempo, como é função da arte teatral".


Walderez de Barros (Dilma) em cena de Abajur Lilás , 1980 
Acervo Idart/Centro Cultural São Paulo 
Registro fotográfico Ruth Toledo 


Abajur Lilás “mofou por onze anos na gaveta da censura” até ser estreada em 1980, sob direção de Sérgio Ferrara e protagonizada pela atriz Walderez de Barros, interpretando Dilma, papel que lhe rendeu o Prêmio Molière de melhor atriz. O espetáculo dividiu opiniões sobre sua qualidade e importância. Para Ilka Zanotto “As circunstâncias fizeram de Abajur Lilás mais do que uma simples peça, uma bandeira. Ao defendermos sua liberação nos palcos nacionais, é a própria liberdade de expressão, condição primeira da criação artística, que defendemos.” O próprio diretor defende: “O texto tinha um forte apelo político, por isso gerou tanta polêmica”. “Hoje, ao contrário do que alguns pensam, O Abajur Lilás não está datado, pois trata de graves problemas que nos cercam, ou seja, se naquela época a política era identificada como o grande mal, agora é a exploração econômica e a globalização.” Contudo, alguns criticavam o exagero da linguagem, justificando tornar o texto caricato, a trama, julgando ser superficial e a importância política do texto, como ressalta Bárbara Heliodora em crítica no jornal O Globo, contrapondo o que disse o diretor Sérgio Ferrara sobre o espetáculo.





A trama retrata a degradação humana nas relações interpessoais, ligadas a questões sociais vivenciadas pelas personagens. No mocó sujo, onde as prostitutas moram e trabalham, tenta-se descobrir quem quebrou o abajur de Giro, o dono do lugar e “das mulheres”. O micro espaço se transforma em um ringue sangrento, uma câmara de tortura onde, em atitude animalesca, Oswaldo, o gigolô impotente e de poucas palavras, sadicamente tortura as prostitutas e mata uma delas, Célia, a mando de Giro.  As personagens são sobreviventes do sistema opressor. O único resquício de humanidade do texto é encontrado na relação de Dilma com o filho, que não aparece na trama.  A objetificação do ser humano está representada na sobreposição do abajur à condição humana, quando facilmente se mata por conta de um objeto tão barato. Em resumo O Abajur Lilás é o retrato de realidades esgarçadas e tristes.




Sobre a repressão e a resistência dos agentes culturais contra a censura ditatorial, Plínio escreve crônicas, que serão editadas pela editora SENAC São Paulo, em 1996: Figurinha Difícil - Pornografando e subvertendo.

"Eram milhares de homens, escolhidos para serem fortes e com coragem  para matar, matar, destruir e matar. Esquecerem seus sonhos, e matar. Milhares de homens treinados para matar. E matavam, matavam. Destruíam e matavam. Foram destruindo e morrendo. Frente a frente, homens. Frente a frente, homens fortes, mas sofridos, teleguiados, com seus medos, seus desesperos, suas desilusões. A matar, a matar, a destruir, a matar. E a morrer." (p.32)

A obra de Plínio continua não datada, como diz Ferrara, e os temas abordados pelo autor na década de 60 e 70, ainda são extremamente atuais, fator que torna sua obra atemporal.


  

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